Mercado publicitário está mais exigente com os influenciadores digitais e contratos publicitários e ações deixaram de ser firmados nos termos que vinham sendo praticados desde o surgimento desse fenômeno na web
O casamento entre os digital influencers e youtubers com as marcas está em crise – e não só após as recentes polêmicas envolvendo as figuras digitais como Júlio Cocielo, Whindersson Nunes e Cauê Moura. As rachaduras nessa relação já vêm de algum tempo, desde que as empresas começaram não só a avaliar a quantidade de seguidores e engajamento orgânico, como também os fãs fakes e o risco que a personalidade pode causar a sua empresa no mercado.
Em um passado recente, o jogo entre os digital influencers e youtubers era completamente diferente. Ditando as próprias regras, personalidades de áreas como entretenimento, beleza, lifestyle e turismo chamavam atenção de grandes marcas do mercado por estarem conquistando um espaço no qual eles ainda não estavam incluídos.
Marcas como Claro, Vivo, Oi, Itaú, Bradesco, Bob’s, Coca-Cola, OLX, Natura, Niely e tantas outras usaram personalidades do Youtube e Instagram para criar campanhas criativas, explorando a presença e influência que possuíam entre os jovens e adultos na internet, tentando combater o bloqueio às peças digitais abrindo um novo canal para se conectar com o consumidor de um jeito mais direto, orgânico e com escala.
Os influencers tinham o poder nas mãos
O poder da indústria dos youtubers encheu os olhos de muitas empresas, que buscaram o poder de representatividade dos creators, mas, está sofrendo repressão por não apresentarem mais os diferenciais primordiais para serem contratados. Esse novo comportamento de mercado já estava previsto em um estudo anual proposto pela consultoria Bites sobre os riscos digitais e suas implicações nos costumes, na política e na economia do País.
Fazendo uma retrospectiva do ano anterior, onde foi destacado o crescimento das fakes news e hipervalorizarão do poder dos millennials, o novo estudo apontou os casos relacionados à “reputação cruzada”, onde, involuntariamente, um stakeholder compromete uma marca, uma empresa ou uma instituição, gerando uma crise que normalmente é ampliada pela força das redes sociais, vide o engajamento ativista que tem estado em destaque em casos polêmicos.
Assumindo essa posição mais crítica, em entrevista a The Atlantic , algumas redes de hotéis disseram que não trabalham mais com algumas personalidades digitais, pois estão insatisfeitos com o seu comportamento nas plataformas. “Temos um processo bastante rigoroso (…). Nós olhamos para o engajamento natural mais do que para qualquer outra coisa, filtramos os influenciadores que compram seguidores falsos dos outros. Há muito desses hoje em dia”, disse Kate Jones, gerente de marketing e comunicações do Dusit Thani, um resort cinco estrelas nas Ilhas Maldivas.
A compra de “bots”, robôs que criam contas falsas para burlar o sistema e fazer com o que a personalidade ganhe mais seguidores e interações nas postagens, vão de encontro também com outro ponto que tem chamado atenção no mundo dos youtubers: reputação e integridade.
Segundo um levantamento da consultoria Bites, após a repercussão do caso Cocielo, a demanda por análises de risco sobre essas personalidades cresceu mais de 45%, em plataformas como o Facebook , Twitter , Youtube e Instagram , ficando claro que é essencial analisar os possíveis riscos e erros que elas podem vir a cometer em determinado grupo e cenário.
Youturbers no olho do furação
“(…) O mercado aprende muito rápido com as crises e os cuidados que pouca gente teve acabaram sendo adotados como procedimento padrão, é exceção, mas amanhã tenderá a tornar-se procedimento padrão”, explica Kaíke Nanne, jornalista e diretor-executivo da Bites, citando a necessidade de avaliar cada vez mais o perfil do criador de conteúdo.
Em complemento, Cecilia Paterno, diretora executiva da agência AFIT Comunicação e Negócios, explica que a escolha de um formador de opinião que irá endossar a marca deveria ser a fase mais importante durante uma contratação, ressaltando que a qualidade de um perfil social e seu público alvo é mais importante do que o número de seguidores que ele tem: “Essa etapa é crucial para o sucesso de uma campanha e redução do risco inerente a qualquer ação de marketing e comunicação”.
Relevância do ativismo digital
Ganhando relevância em meio as recentes polêmicas, o ativismo digital reflete a falta de reflexão de pensamento e atitudes que falta por parte dos creators . “Quando um influenciador é retirado da bolha em que atua, os riscos são potencializados. Uma coisa é ele fazer uma piada politicamente incorreta naquele ambiente em que seus seguidores já entendem o tom e não o condenam por isso. Quando esse influenciador é retirado dessa bolha, perde-se totalmente o controle sobre ele”, exemplifica Nanne.
A relevância do ativismo digital entrou em destaque nessa discussão não só por parte dos usuários, mas também das agências e marcas que buscam perfils de youtubers e digital influencers engajados com causas sociais: “Trabalhar com nichos e influenciadores ativistas são ótimos para campanhas de marcas que queiram ter uma voz em um determinado assunto e que queiram usar o marketing de influência para espalhar sua mensagem”, explica Carlos Tristan, CMO e cofundador da agência Squid.
Porém, é preciso ressaltar também o “falso-ativismo”, que confunde os principais princípios da causa, que procurar usar o seu poder de voz para disseminar ódio ou conteúdos com teor racista, machista, tendo em vistas os atuais exemplos. “Encaramos o ativismo com naturalidade e se uma marca precisar de uma voz ativa em um determinado ecossistema, nós fazemos a ponte”, completa Tristan.
Eu sou um influencer!
Com o boom digital, a quantidade de pessoas que se definem como influenciadores digitais impressiona Jones, que recebe pelo menos seis pedidos por dia de hospedagem em seu hotel, normalmente pelo Instagram , por personalidades digitais que desejam fazer uma “troca”: “Todo mundo com um Facebook nos dias de hoje é um influenciador. As pessoas dizem ‘eu quero ir às Maldivas por 10 dias e fazer dois posts no Instagram para 2.000 seguidores’. São pessoas com 600 amigos do Facebook dizendo que são influenciadores. (…) Essas pessoas estão esperando de cinco a sete noites em média com tudo incluso. Maldivas não é um destino barato, contou ao The Atlantic .
Essa necessidade de ostentar algo que vai além da sua realidade não é sinônimo de felicidade, mas sim da necessidade de ser visto e ser lembrado. Para a psicóloga e terapeuta comportamental Camila Reis, hoje, “as pessoas estão procurando o tempo todo em ser aceita, serem admiradas, em terem uma vida feliz”.
“Nós estamos vivendo em uma sociedade carente que está precisando de atenção. Hoje em dia, ainda mais com as mídias digitais, as pessoas vendem uma imagem que vão muito além do que elas realmente fazem. As pessoas estão sofrendo, esquecendo de viver e apreciar as pequenas coisas”, completa.
Estar novamente nessa contramão do online é uma ressalva dentre os tantos perfils que necessitam de views, compartilhamentos e likes. Para Gabrielli Mendes, jornalista e digital influencer de beleza, saber separar a sua vida pessoal e a sua vida online é uma maneira saudável de estar nos dois mundos: “Eu não tenho dificuldades porque respeito meus momentos. Quando não quero aparecer ou me expor eu simplesmente não faço, acho que essa é a melhor forma de manter uma relação saudável com os seguidores”, conta.
Maturidade no mercado
Exemplos dos youtubers citados envolvidos em recentes conflitos tentaram reparar os erros publicamente, excluindo tuítes e fazendo vídeos pedindo desculpas. Diante do olhar da psicóloga é um bom recomeço: “Primeiro, todo mundo é passível de mudança, todos nós podemos mudar a partir do momento que conhecemos outras pessoas e outras áreas, isso faz com que nós refletimos e temos a opção de mudança”, explica.
Para os consumidores de conteúdos feito por essas personalidades como o estudante Fernando Felgar, 16 anos, a sinceridade no pedido de desculpas tem outro objetivo: “Muitos fazem o que os seus empresários mandam para não perder o sucesso e patrocínio. Na marioria é fácil ver que eles não se arrependem do que fizeram, mas para agradas a todos, falam e fazem de tudo para se redimir”.
Porém, há quem veja que o erro também é um ponto inicial para uma reflexão: “As pessoas mudam aprendendo com seus erros cometidos, se a pessoa se arrepende e faz um vídeo sobre, isso é sinal de uma boa reflexão”, exemplifica o jovem Pedro Martins de 22 anos, que segue a mesma linha de raciocínio de Kaíque Lima, de 23 anos: “Alguns não (caso Biel) e outros sim (caso Júlio Cocielo). No último caso, eu senti uma sinceridade no vídeo dele, ele só errou em demorar para pedir desculpas. Ele fez um tweet racista sim e não tem como justificar o injustificável. A primeira coisa que ele deveria ter feito era pedir desculpas e reconhecer que errou”, justifica.
“O que esta em alta nem sempre é o que vai te representar melhor, então, antes de escolher um formador de opinião para representar sua marca, estude a pessoa, veja como ela se comporta nas redes, analise suas métricas, pesquise sua rotina de postagens, marcas já presentes no perfil e veja como esta pessoa colabora com sua rede de seguidores”, conclui Cecilia Paterno, ressaltando que o mercado é passível a mudanças constantes e as marcas devem ficar atentas a todas as etapas do processo de escolha de youtubers e influercers que irão escolher para representar o seu nome.